A manhã fria desta quinta-feira (20) não dissipou a disposição dos trabalhadores do Hospital Municipal do Campo Limpo, nem dos representantes de movimentos de saúde e Conselho Municipal de Saúde, que realizaram um novo ato com o Sindsep, em frente à unidade “invadida pela organização social Hospital Israelita Albert Einstein” desde segunda-feira (17), apesar da decisão contrária do Tribunal de Contas do Município (TCM), que recomendou à Prefeitura de São Paulo paralisar o processo de terceirização frente a uma série de irregularidades identificadas no processo.
Bastante indignada, a secretária dos Trabalhadores da Saúde do Sindsep, Lourdes Estêvão, criticou o desrespeito com a coisa pública, trabalhadores do Hospital do Campo Limpo e a população. “O TCM suspendeu o processo de terceirização, mas o governo quer até dia 31 para devolver o hospital. Por que até 31? O governo queria tirar a Farmácia da unidade do controle público na noite de ontem, exigindo que os trabalhadores saíssem da farmácia e entregassem para o Einstein. Se o hospital estará de volta no dia 31, por que querem tirar os servidores?”, questionou a dirigente, ao lembrar que o setor armazena medicamentos caríssimos para o atendimento da população e não podem ser entregues pelos servidores, sem que se faça um inventário. “Servidor público não é funcionário do Einstein, não entregamos a farmácia sem papel oficial e queremos o hospital de volta já. Não dia 31”.
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Abafada por gritos de servidores e população, que reforçavam palavras de ordem: “fora Einstein” e “queremos hoje o Hospital do Campo Limpo”, a sindicalista relatou ainda que em meio ao processo de “invasão” foi descoberto que o setor de cirurgias, no 8º andar, teve a gestão dividida entre Prefeitura e OSS. Cirurgias simples e “lucrativas” ficavam sob a gestão da OSS e as mais complicadas, que demandam recuperação por maior tempo, com a administração municipal. “O que o Einstein quer é dinheiro, lucro”, frisou.
Dispensa antecipada de usuários com lesões, recusa de cirurgias a pacientes que já estavam agendados e assédio moral a servidores foram denúncias feitas por populares e representantes dos movimentos de saúde e Conselho Municipal de Saúde. “Uma colega trabalhadora estava sofrendo assédio na farmácia ontem. Nós não queremos a volta dos servidores no dia 31, queremos agora. Vamos estar dia e noite com vocês. Fora Einstein!”, acentuou o conselheiro Anderson Lopes (Dimas).
Além do assédio, Raquel Pluft, do Fórum de Saúde da Zona Sul, citou o caso de uma usuária que precisava de atendimento e foi dispensada pela equipe da organização social. “Estamos com casos de pacientes que estavam com cirurgia marcada e foram mandados para casa e a população está indo atrás dos conselheiros. Uma paciente nos disse que está em casa com dor, esperando atendimento”.
Graças à resistência dos trabalhadores da Farmácia na noite de quarta (19), a organização social foi impedida de assumir o setor que abriga medicamentos com valores superiores a R$ 5 mil. “Tem medicamento que custa até R$ 5 mil a ampola. Não querem que seja usado na nossa população. Farmácia do Campo Limpo diz: fora Einstein! Não vamos baixar a bola e não vamos parar”, afirmou Lenice, funcionária pública que trabalha na farmácia há 16 anos.
Segundo Laudiceia Reis, coordenadora da região Sul do Sindsep, teve trabalhador que tomou advertência, porque impediu a entrada da organização social na farmácia. “Estamos vindo todos os dias aqui e não vejo ninguém entrar nessa UPA. É dinheiro público jogado fora. Uma organização social não quer atender a população, quer ganhar dinheiro”, acrescentou a dirigente.
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Para Douglas Cardozo, representante sindical de unidade do Sindsep no Hospital do Campo Limpo, falta transparência e os servidores públicos têm responsabilidade pelo patrimônio público. “Tiraram uma enfermaria que já estava funcionando e deram R$ 15 milhões para o Albert Einstein para fazer funcionar o que já estava funcionando. Não estamos apenas lutando pelos nossos postos de trabalho, mas para proteger recursos públicos. Esse dinheiro está saindo de forma irregular e fomos ao TCM dizer isso. Todas as denúncias que fizemos foram consideradas procedentes, nenhuma foi recusada. A gestão e a OSS quiseram nos dar um ‘passa moleque’, fazendo um termo aditivo, alterando o convênio para termo de colaboração, que permite que eles invadam nosso hospital. No entanto, após a OSS invadir na segunda o hospital, o TCM afirmou que é ilegal, na terça”, lembrou.
Retomada já!
Lideranças comunitárias também reafirmaram que querem que a sociedade israelita se retire da gestão do Hospital Municipal de Campo Limpo. O vínculo com o serviço de saúde, que é referência para traumas, cirurgias de buco-maxilo e partos de alto risco na região Sul, é bastante forte. O Hospital do Campo Limpo foi inaugurado em 1981 e é fruto da luta da população. “Queríamos um hospital que fosse para todos, onde o paciente não fosse visto como número, mas como ser humano, digno de respeito. É onde a população e os trabalhadores mais têm brigado. Nós trabalhadores, não entramos aqui por mãos de políticos, entramos por concurso e nosso compromisso vai além das gestões, é com a população. Daqui seis meses, prefeito, vereador vai embora, e nós continuamos aqui, dispostos inclusive a morrer para cuidar dos pacientes”, lembrou Lourdes Estêvão.
Os trabalhadores querem retornar aos seus postos de trabalho imediatamente. “O Einstein não tem mais contrato com o Hospital do Campo Limpo. Nossa reivindicação é para assumirmos nossos setores, entrarmos pela porta da frente”, afirmou o enfermeiro Edmilson. A fisioterapeuta Solange, que trabalha há 28 anos na UTI do hospital, em condições precárias, também contou que não se aposenta por se solidarizar com os pacientes. “Fico satisfeita ao ver um paciente sair da UTI sem escara (ferida). Mas, essa semana não pude subir na UTI, porque tinha GCM, para não criamos confusão com os funcionários do Einstein. Ninguém estava preocupado com a gente. Mas, no domingo, deixamos o plantão conhecendo cada paciente. Os funcionários do Einstein não conhecem e muitos acabaram piorando, foram transferidos para o lado da prefeitura, ficaram sem atendimento de fisioterapia, não tomaram banho, e os familiares denunciaram”.
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Para a enfermeira Janete, falta respeito da gestão aos trabalhadores. “O fato de estarmos aqui hoje vai além da perda de um hospital. Estamos aqui em defesa do SUS. Somos gratos à direção do Sindsep, que sempre nos auxilia. Precisei da Lourdes de madrugada e ela me atendeu. Tiro também o chapéu para a nossa fisioterapeuta Solange, quando ela saiu da UTI entraram 3 para fazer o que ela faz sozinha. Tá na hora da Autarquia nos pagar o que nos deve. Cadê nossas horas extras? Esse governo não gosta de servidor público”, reiterou.
Comissão se reúne com direções do hospital e retorna amanhã
Trabalhadores e dirigentes do Sindsep pararam o ato para se reunir com o diretor do Hospital Municipal do Campo Limpo, Hamada, e o superintendente da Autarquia Hospitalar Municipal, Felim, no auditório do hospital. Recebida pelos trabalhadores com um coro de “Fora Einstein”, a direção ouviu as propostas da comissão.
Lourdes Estevão deixou claro que a reivindicação dos trabalhadores é a retomada imediata de seus postos. "As pessoas estão aqui porque não querem continuar sentadas recebendo. Queremos voltar aos nossos postos de trabalho. Não queremos receber sem trabalhar".
A proposta apresentada pela comissão é para que as coordenações organizem as escalas de trabalho e os servidores possam assumir seus postos de trabalho nesta sexta (21). O superintendente da AHM se comprometeu a levar a demanda ao secretário de saúde, Edson Aparecido.
Amanhã, comissão, trabalhadores e Sindsep estarão novamente no hospital para verificar se a proposta foi aceita e retomar o hospital para a administração direta.