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Equipamentos de esporte e lazer são reabertos sem assegurar a vida de trabalhadoras(as)

06/07/2020 11:26

Qual a necessidade para que esses parques voltem a funcionar? Quem vai fazer controle desses espaços? Esses são alguns questionamentos de servidor das secretarias municipais de Educação e Esportes, que teve Covid-19.

Por Cecília Figueiredo, do Sindsep

 

Professores e analistas de Esportes estão inconformados com o anúncio de reabertura dos centros esportivos (CE) na cidade de São Paulo ante a não estabilização de casos e mortes pela Covid-19. “Qual a necessidade? O que move a indicação de um decreto, de uma legislação para que esses parques voltem a funcionar? Quem vai fazer controle desses espaços?”, questiona um servidor público das secretarias municipais de Educação e Esportes, que teve Covid-19 no mesmo equipamento onde dois outros trabalhadores também se contaminaram em abril.

 

No último dia 2 de julho, a Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação (SEME) publicou no Diário Oficial da Cidade, a Portaria 030/2020 alterando a anterior 010/2020 (18 de março de 2020), que estabelecia a suspensão do atendimento ao público dos equipamentos esportivos e de lazer. O mais curioso é que a gestão Bruno Covas justifica a retomada das ações de esportes e lazer no município de São Paulo, a partir desta segunda (6/07), para “priorizar a saúde e a qualidade de vida da população paulistana”.
 
A legislação estabelece o funcionamento dos centros esportivos e de lazer, no horário das 6h às 12h, e obrigatoriedade do uso de máscaras por todos os servidores e frequentadores. “Liberação das atividades de caminhada, ao ar livre, permanecendo proibidas as práticas esportivas coletivas bem como a utilização das quadras, ginásios, campos, piscinas, playgrounds e academias, tanto as internas quanto as situadas ao ar livre”. No entanto, preocupa os funcionários quem fará esse controle.
 
 
Anúncio da SEME em 17 de março de 2020 destaca: "...fechados por tempo indeterminado"
 
 
RELATO DE QUEM TEVE COVID-19
 
O professor de Educação Física, que prefere manter sua identidade preservada, e aqui será identificado ficticiamente como Joel* é um dos inconformados com a reabertura precoce. Ele foi contaminado em abril, quando já havia sido decretada a Situação de Emergência na Cidade de São Paulo. A Secretaria Municipal de Esportes e Lazer (SEME) suspendeu em 17 de março o atendimento ao público dos CEEs mas com equipes trabalhando em escala de revezamento e o trabalho presencial de seguranças patrimoniais e pessoal da limpeza. 
 
Neste mesmo mês, o Sindsep registrou a morte de José Aroldo, funcionário de 55 anos que trabalhava para a empresa de limpeza Clean Max, prestadora de serviço num centro esportivo da zona Leste, onde houve também a contaminação de um monitor aquático (salva vidas) terceirizado, que passou 15 dias internado. 
 
Joel se recorda que a SEME já estava atuando em escala de revesamento na sua unidade, em 23 de abril, quando começou a apresentar sintomas. A vontade, segundo ele, era de “desligar completamente”. 
 
“Fui até um hospital particular, porque a febre não baixava, fizeram tomografia, exame de sangue e constou a Covid-19. Queriam me deixar internado, mas eu me neguei porque era um hospital particular, assinei um termo de responsabilidade e fui pra casa, na sexta. No sábado (24), fiquei em casa, a febre oscilava, aí no domingo fui até a Santa Casa de Misericórdia. Eles me afastaram por 14 dias e receitaram remédios para controlar a febre, além do Tamiflu”, lembra.
 
Isolado no quarto da casa, onde mora com esposa e filho, ele passou 30 dias dentro de casa. “Pelo site Missão Covid, eu recebia orientações por teleatendimento e à medida que eu fazia os exames espaçados de 7 dias, 15 dias, eles iam me orientando que eu mantivesse o afastamento social, separação de objetos, banheiro separado etc. O uso de tudo tem de ser individual e ter uma boa higienização. Até o décimo dia eu acordava de hora em hora para medir a minha saturação, a temperatura do corpo. Não há descanso”, relembra. 
 
 
"Quem vai fazer controle desses espaços?", questiona servidor. | Fotos: Paulo Dias/ SEME
 
 
DESCASO COM TRABALHADORES
 
Para ele, os trabalhadores estão entre as principais vítimas da pandemia, pelo desprezo dos governos. “O trabalhador fica em último lugar. A população mais pobre, mais vulnerável tá no final da fila para receber algum tipo de benefício. Questionamos as ações da Prefeitura de São Paulo, da Secretaria Municipal de Esportes e de outros órgãos que deveriam ter um olhar para nós, trabalhadores, de forma diferente. 
 
“Enquanto estive doente, minha gestora regional, um gestor local e outro gestor regional entraram em contato comigo para saber como eu me encontrava. Recebi também contato de professores do centro esportivo, alunos, direção da unidade e demais funcionários, por isso tenho muita gratidão a eles. Da parte da SEME, em nenhum momento o RH entrou em contato para obter qualquer informação”, reclama.
 
Não há planejamento de escalas, protocolos, orientações para o RH, conta o professor de educação física, ao lembrar que a escala de revezamento expõe os trabalhadores ao risco de contaminação. Em sua avaliação “um erro de gerenciamento de pessoas em uma situação de pandemia". Na unidade onde trabalha, a equipe mantida nos plantões de revezamento inclui diretor e outras onze pessoas.
 
Outra crítica que Joel pontua é a falta de testagem e a insegurança sobre uma nova reinfecção. “O que fica da doença é um estado de alerta: ‘será que eu vou conseguir? Será que estou imune a uma nova infecção?’ Minha esposa vive atormentada. Só eu tive Covid em casa”, desabafa o servidor, que demonstra cansaço na fala, como sequela da doença. 
 
A preocupação com uma nova reinfecção e de outros casos de contaminação, a partir da reabertura dos equipamentos nesta segunda-feira (6/07), é compartilhada por outros servidores da SEME. “A gente não tem ideia se chegamos no pico da pandemia! Todas as indicações das autoridades sanitárias, Organização Mundial de Saúde, especialistas, são de que o isolamento é o melhor modo para controlar a transmissão do vírus”.
 
Para Joel, o que está embasando a reabertura dos equipamentos não é a ciência, mas o calendário eleitoral e a questão macroeconômica. Ele também critica a falta de transparência sobre o número de profissionais infectados e óbitos por unidades. “A secretaria teria que ter um levantamento de pessoas que foram infectadas em cada unidade, que foram a óbito. Esconder dados é uma prática que vem desde o governo federal. Maquiar os números deve ser uma forma utilizada para não haver exposição, acho. São mais de 60 mil mortos no Brasil, sendo mais de 15 mil em São Paulo”, compara.
 
 
"São mais de 60 mil mortos no Brasil, mais de 15 mil em São Paulo”, lembra Joel. | Foto: Mário Oliveira/SEMCOM
 
 
POSIÇÃO DO SINDSEP
 
O Sindsep vem questionando a gestão municipal sobre a manutenção de trabalhadores em plantões presenciais em equipamentos educacionais, esportivos e de lazer desde o início da pandemia. No último dia 29 de junho, durante reunião com o chefe de gabinete da SEME, André Lera, que teve a presença de servidores, a direção do Sindsep questionou uma série de pontos e reinvidicou medidas para prevenir mais adoecimentos e mortes de profissionais.
 
“Queremos que seja estabelecido um protocolo de saúde, visando a vacinação de todas(os) trabalhadoras(es) da SEME, a criação de um setor de controle epidemiológico com registros de casos de infecção e/ou óbitos das(os) trabalhadoras(es). Também pedimos a criação de um documento orientador e encaminhamento aos coordenadores dos CEs, que esclareça a escala de revezamento dos plantões”, cita Luba Melo, secretária da Mulher Trabalhadora do Sindsep.
 
A dirigente também lembra entre os pedidos, posteriormente formalizado em ofício, que a pasta envie minuta de documentos ao Sindsep antes da publicação em Diário Oficial do Município. “Reivindicamos mais diálogo com a SEME, que inclua as(os) trabalhadoras(es) frente a maior crise sanitária que estamos enfrentando, para a criação de soluções conjuntas”, reitera.