Saúde

Contratações precárias de pessoas em vulnerabilidade se tornam prática na reforma do HSPM

17/12/2020 15:35

Engenheiro da obra é denunciado por operário, dispensado em dezembro sem receber seus direitos. Alexandre Lelis, em situação de rua há cerca de cinco anos, vive nas proximidades do Hospital do Servidor e foi contratado em outubro.

Por Cecília Figueiredo, do Sindsep
 
 
A reforma do Hospital do Servidor Público Municipal (HSPM) está mergulhada numa série de irregularidades, que vão desde a falta de condições seguras para trabalhadores e população atendida, falta de transparência em contratos, baixa qualidade ou serviços mal feitos na reforma, até a precarização dos trabalhadores contratados.
 
Em agosto deste ano, o Sindsep trouxe denúncias de operários contratados por empresas terceirizadas pela Bellacon Construtura e Incorporadora Eireli – vencedora da licitação para a reforma do HSPM, num contrato global de mais de R$ 13,7 milhões –, que foram vítimas da precarização e estavam sem receber após demissão. A maioria haitiano que havia chegado recentemente ao Brasil, tinham dificuldades com o idioma, além de financeiras e desconhecimento sobre seus direitos.
 
À época, a diretora do Sindsep, Flávia Anunciação, apurou a precariedade da situação. Contratados por diárias de R$ 150, os operários trabalhavam das 7h às 17h, sem vale-refeição ou outro benefício. E isso parece ter se tornado uma prática da construtora responsável para executar a obra. O investimento que faz parte do empréstimo de R$ 800 milhões feito pela Prefeitura junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), não pode ser chamado de modelo de uso sustentável de recursos públicos.
 
Pelo contrário, trata-se de uma obra que vem sendo executada por pessoas em situação de vulnerabilidade, contratadas de forma precária, como é o caso de Alexandre Lellis. Em situação de rua há quase cinco anos, Alexandre vive nas imediações do HSPM. Ele relata ter sido contratado em outubro pela empresa Bellacon a um salário de R$ 1800, para uma jornada das 7h às 17h, incluindo sábados e feriado sem pagamento de hora-extra. No primeiro mês, pagaram R$ 560 a menos do combinado, no segundo mês o fizeram ir várias vezes ao banco sem que tivessem depositado o pagamento até que em dezembro ele foi demitido, de forma bizarra e com agressão física.
 
 
Alexandre Lelis vive a poucos metros da entrada do HSPM, onde trabalhou até início de dezembro. | Foto: Cecília Figueiredo
 
“Estou em situação de rua há mais ou menos 5 anos e durante todo esse período sempre estive trabalhando. Buscando minha adaptação, melhoria. Já tive oportunidade de trabalhar em vários lugares… Aqui no Hospital [HSPM] pela empresa [responsável pela obra] que tem contrato com o Hospital. A Bellacom prometeu que meu salário seria de R$ 1800. O início foi dia 12 de outubro [o contrato foi datado no dia 13], mas especificou que não paga hora-extra, vale-transporte e direitos trabalhistas. Pelo tipo de contrato assinado não há nenhum vínculo empregatício. Quem assume todos os tipos de responsabilidade é o hospital [HSPM]”, avalia Lelis.
 
Ele também denunciou ao Sindsep de “brincadeiras e humilhações” que trouxeram desconforto no trabalho. “Eu não sou moleque, não entrei para brincar, entrei para trabalhar, assumi uma responsabilidade, mas a empresa faltou comigo”. 
 
Desanimado, ele relata que o engenheiro geral “Michael”, no segundo pagamento, o fez ir e voltar várias vezes ao banco sem que o depósito tivesse sido feito. “O cara dizia que ia depositar, fui várias vezes até o banco e não estava lá o meu depósito. Eu trabalhava para a Bellacom, mas o hospital é responsável por essa situação. Pelo contrato que eu assinei, o endereço [que consta] da empresa está dentro do hospital [HSPM]”.
 
O operário também relata ter apontado aos encarregados, em várias ocasiões, problemas na reforma que teriam de ser corrigidos para dar continuidade, mas o engenheiro geral ignorou. “Eu era tratado como lixo, por ser morador de rua”. 
 
Insatisfeito com as humilhações recorrentes, ele foi conversar com o engenheiro e passado alguns dias, no mês de dezembro veio a dispensa. Segundo Alexandre, o engenheiro justificou ter sido em função da reclamação de uma profissional da limpeza e não fez nenhum acerto na demissão.
 
“A empresa disse que só pagaria meus dias trabalhados. Eu assinei um contrato [ao entrar] que especifica que não tem qualquer vínculo com o funcionário. Mas, na minha opinião, a empresa estava se favorecendo numa situação como essa, porque a Prefeitura paga tudo isso! Se favorecem com esse tipo de situação por causa da necessidade [socioeconômica] que as pessoas têm”.
 
 
Uma das áreas em reforma do hospital. | Foto: CF
 
Na demissão, Lelis conta ter questionado o valor de R$ 560 que não havia sido pago em seu primeiro salário e teria sido agredido fisicamente pelo engenheiro geral. “Pra mim é um dinheiro necessário, é um dinheiro que eu conquistei trabalhando. Eu tinha que ser ressarcido por esse valor. Ele acabou ficando nervoso comigo e partiu pra cima de mim. Segurou com as duas mãos o meu pescoço, me asfixiando. Uma tentativa de homicídio dentro [HSPM] que foi acobertada”, diz indignado.
 
Outro engenheiro, de nome Amauri, teria separado a discussão que Michael tentava reavivar, segundo Lelis. “Ele não poderia me agredir dentro de um ambiente de trabalho. Teria que sofrer as consequências. Acabei sendo prejudicado. Hoje estou em situação de rua, a empresa deixou a entender que provavelmente eu não receba esse mês e nem sei se vou receber o mês que vem, porque já se tornou costume não arcar com as responsabilidades junto aos trabalhadores”, afirmou o trabalhador que pediu ajuda ao Sindsep para lutar por seus direitos, “porque pessoas como eu passam por esse tipo de situação todos os dias”.