Saúde

Governo Covas deixa trabalhadores do SAMU com botas furadas para o atendimento

09/06/2020 10:51

Após adoecerem por contaminação, gestão municipal se nega a abrir a Comunicação de Acidente de Trabalho, apesar da decisão do STF

Por Cecília Figueiredo, do Sindsep



Além da precariedade ou falta mesmo de equipamentos de proteção individual para os profissionais que estão em áreas essenciais do combate à pandemia do coronavírus, há cerca de dois meses o Sindsep vem recebendo denúncias de profissionais do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) das regiões Leste, Norte, Oeste e Sul em relação aos locais insalubres para onde foram remanejados desde a desestruturação das bases em 2019 e a falta de reposição dos uniformes há mais de dois anos.

Um dos samuseiros, que tem duplo vínculo na Prefeitura de São Paulo, chegou a enviar fotos de um dos dois pares de botas com solado furado e aberto nas laterais, expondo-o à contaminação no trabalho: seja para atender a um chamado ou no momento da limpeza e desinfecção da ambulância.

 

“Um dos pares de botas desgastou, que recebi em um dos vínculos onde trabalho. Esse é o segundo par, que recebemos na última troca há mais de dois anos. A bota está com solado furado, o que eu faço? A gerência me disse que não tem bota pra reposição. Está entrando terra, resíduos e água dentro dela. Não dá pra trabalhar desse jeito!”, relata o profissional, que pede para não ser identificado na matéria.

 

Trabalhadores do Samu não têm troca de botas há dois anos


Eles temem trabalhar sem esse EPI, que é parte convencional do uniforme

O trabalhador também denuncia a fragilidade do avental para o atendimento, em TNT, e o utilizado para fazer a higienização das ambulâncias. “É impermeável para fazermos a limpeza da ambulância, mas bem frágil também. A alça do avental que segura a nosso corpo arrebenta com facilidade, quando estamos fazendo a limpeza. Tá bem complicado”, acrescenta.

O técnico se mostra desmotivado com a desestruturação das bases, imposta pela Portaria nº 190/2019 do prefeito Bruno Covas, que causou o deslocamento das equipes para equipamentos de saúde municipais, como hospitais, assistências médicas ambulatoriais (AMAs), unidades básicas de saúde (UBS) e centros de atendimento psicossocial (CAPS). “Primeiro colocaram a gente num cômodo bem pequeno, depois nos realocaram para uma maior, só que cheia de bagunça e materiais velhos do serviço onde estamos”, pontua.

Esse é o alojamento dos trabalhadores do Samu numa "base" da região Sul. 

 
Na região Sudeste, outra profissional de saúde afirma ao Sindsep que a base onde trabalha, gerenciada pela organização social de saúde (OSS) Seconci, funciona dentro de uma unidade de saúde e sem espaço adequado para comportar os trabalhadores. "O espaço não tem ventilação, as condições de  higiene são precárias. Pedimos a disponibilidade de transferência para uma sala maior, pois não temos nem espaço para suprimentos. Os materiais de urgência ficam num almoxarifado que é fechado à noite e aos domingos, o que faz com que a equipe tenha que se deslocar a outras bases para repor materiais", relata a samuseira.
 
A trabalhadora alerta ainda que a OSS que está gerindo o serviço não demonstra interesse em mudar a situação que expõe os profissionais ao risco de contaminação.

As denúncias se repetem em várias bases do Samu na cidade, principalmente em relação aos equipamentos de proteção individual. Um técnico do Samu na região Leste está trabalhando com as botas doadas por um colega do Samu de outro município. “Muitos tiveram que comprar botas com dinheiro do próprio bolso, e tem motoristas que estão remanejados por falta deste EPI. As botas que entregaram foi um resto vencido, que vai do número 33 ao 37. Para quem precisa de número maior está tendo que trabalhar com pés molhados e arriscado a se contaminar”, ressalta o trabalhador que também pede anonimato, para evitar retaliações.

A justificativa dada pela gestão a alguns funcionários do Samu é que os materiais de proteção utilizados estão sob licitação. “Mentira!! Há 2 anos não recebemos nada, nem macacão, nem bota, nem blusa”, emenda o profissional de saúde.

Fato é que a ausência de equipamentos de proteção individual em quantidade e qualidade adequada tem levado vários trabalhadores e trabalhadoras a se contaminarem pela Covid-19. “Testei positivo e qual não foi minha surpresa quando a coordenação me informou que não será aberto CAT [Comunicação de Acidente de Trabalho] para o contágio por Covid-19, porque ninguém garante que adquiri o vírus trabalhando. Só trabalho no Samu e uso transporte público, e sabemos que as condições dos equipamentos de proteção individual não são as adequadas. Agora ainda somos questionados onde fomos contaminados. Absurdo!”, diz indignada uma samuseira que não quer ter sua identidade revelada.

"O Samu é um dos serviços mais exigentes para com seus trabalhadores, que se doam de corpo e alma para salvar vidas. Por outro lado, infelizmente, a administração do Samu não tem um histórico de respeito com seus trabalhadores: esse desrespeito vai desde a portaria que acabou com as bases do Samu e jogou as equipes em espaços sem estrutura dentro de hospitais, UBS, AMA e outros serviços, passando pela falta de água nas bases, ocorrida em 2018, a falta de botas, uma reivindicação de quase 2 anos, até a negação de CATs por contaminação pela Covid-19. Quando a pandemia passar, algo que não ocorrerá pelas boas decisões técnicas de nossos governantes, será necessário retomar o processo de mobilização dos trabalhadores do SAMU para que eles não avancem ainda mais sobre o direito dos trabalhadores a boas condições de trabalho", alerta a secretária de Trabalhadores da Saúde do Sindsep, Lourdes Estêvão.

 

STF reconhece considera doença ocupacional

No final de abril, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiram que a Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, pode ser considerada doença ocupacional, ao analisar a Medida Provisória (MP) nº 927.

Os ministros julgaram como ilegal o artigo 29 da medida, que estabelecia que os casos de contaminação pelo novo coronavírus não seriam “considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”.

Por unanimidade, o STF reiterou, de forma liminar, que a pandemia expõe diariamente trabalhadores da saúde e de outros serviços essenciais, como de supermercados, farmácias, além de motoboys, ao risco de contaminação.

 

Sindsep
 

Para o Sindsep, embora o parecer da Corte não seja automático, é um instrumento jurídico fundamental para os trabalhadores.

 

Desde o início da pandemia, o Sindsep está atento à ausência de orientações sobre como seria o registro, investigação e reconhecimento dos casos de Covid-19 como sendo por acidente de trabalho, relata o diretor de Política de Saúde do Trabalhador Roberto Alves. “É inadmissível que a gestão se recuse, ao expor os trabalhadores a jornadas excessivas, falta de EPI e ausência de planejamentos das ações, a reconhecer que os trabalhadores podem se contaminar no ambiente de trabalho”, ressalta o dirigente.


Para facilitar este reconhecimento, o Sindsep elaborou um requerimento para que o trabalhador entregue ao departamento de Recursos Humanos, oficializando o pedido de preenchimento de CAT. Caso a unidade se recuse a aceitar o documento, o trabalhador/a deve entrar em contato pelo WhatsApp oficial do Sindsep: 11 97025-5497.