Por Cecília Figueiredo, do Sindsep
Vários profissionais que trabalham no Hospital Municipal Dr. José Soares Hungria (HM Pirituba) estão testando positivo para covid-19, mas não estão sendo afastados. A testagem foi iniciada na sexta-feira (15), quando alguns servidores já informavam que muita gente está adoecendo e não estavam sendo afastadas. No entanto, mesmo após o resultado ser reagente no teste rápido, muitos trabalhadores seguem no atendimento. A conduta vai contra o protocolo recomendado pela Autarquia Hospitalar Municipal, que determina o afastamento até 14 dias, após surgir os sintomas da covid-19.
Manual da Autarquia Hospitalar Municipal (AHM), responsável pelo HM Pirituba
“Testei positivo, o médico do trabalho [do Hospital Pirituba] não quis me afastar”, relata um dos trabalhadores que atua na unidade hospitalar. O profissional da Medicina do Trabalho do HM Pirituba disse a ele que “não tinha nada”, mas em sua receita incluiu 'cloroquina', antibiótico, inalação e até anticoagulante para tomar na unidade básica de saúde. Somente após mostrar o exame para a chefia do hospital é que o médico voltou atrás, concedendo ao trabalhador cinco dias de afastamento e agendando uma tomografia no Hospital Geral de Taipas.
O Hospital Municipal de Pirituba, referência para casos de covid-19 na zona Norte, instalou recentemente um tomógrafo da FIDI, mas este funcionou por um ou dois dias e somente na terça (19) voltou a ser usado para exames, segundo funcionários. Apesar de que o contrato da Secretaria Municipal de Saúde com a Fundação Instituto de Pesquisa e Estudo de Diagnóstico por Imagem (FIDI) para a realização de exames de imagem, como tomografia, ressonância e ultrassons em vários serviços de saúde na cidade de São Paulo, inclusive o HM Pirituba, foi publicada em 9 de maio.
Será que o contrato foi pago sem a prestação de serviço nos dias em que esteve quebrado?
Especialistas informam que a tomografia é importante no diagnóstico da covid-19 porque sinaliza alterações no pulmão e ajuda a definir a magnitude do quadro. O médico infectologista Gerson Salvador, dirigente do Sindicato dos Médicos (Simesp), alertou para a gravidade que significa manter um equipamento desses quebrado nesse tipo de atendimento.
Os casos suspeitos de coronavírus, que necessitavam de tomografia, estavam sendo encaminhados para outro hospital. Alguns relataram para o Hospital Geral de Taipas, em razão do equipamento contratado pelo HM ter voltado a funcionar somente na quarta-feira (19).
Revolta
Revoltado pelo desrespeito que levou outro colega a ser internado com suspeita de covid-19, o trabalhador desabafa: “[O médico] disse que eu não tinha nada. Se eu não tenho nada, porque me deu esse tanto de remédios? Quer dizer, eu vou tomar essa porrada de remédios e os outros ficam afastados por 15 dias? Eu não tenho família, não mereço ser tratado?”
Outra trabalhadora, do mesmo hospital, diz que seu teste rápido para detecção do covid-19 também deu reagente e o médico prescreveu medicações, não a afastou e pediu que retornasse na próxima quarta-feira (27). “Me ligaram para eu fazer a tomografia em Taipas [Hospital Geral]. Ficou claro que o médico [a partir do teste rápido] me passou as medicações covid-19, não me afastou e pediu para eu retornar na quarta. Vamos ver o que ele vai falar….”.
O médico prescreveu na receita do funcionário que não seria afastado inicialmente, o uso de cloroquina, ainda que a indicação seja dentro de ambiente hospitalar e a partir da avaliação médica, antibióticos, anticoagulantes e inalações. A lista de medicamentos entregue ao funcionário inclui Cloroquina 400 mg (por 5 dias, para o tratamento e profilaxia de malária), Azitromicina 500mg (por 5 dias, antibiótico usado no tratamento de várias infecções bacterianas), Invermectina 6mg (por 4 dias, utilizado para tratar infestações de parasitas), suplemento vitamínico Ad-Til gotas (por 10 dias), antiinflamatório Dexametasona 8mg (por 5 dias), inalação duas vezes ao dia com Alenia (indicado para a melhora e controle da falta de ar em pacientes com broncoconstrição), o anticoagulante Clexane 40mg (aplicação de uma ampola por 7 dias, para prevenir/reduzir o risco de desenvolvimento de uma trombose venosa profunda e até embolia pulmonar).
No entanto, a Farmácia do HM Pirituba informa que as medicações não estão disponíveis para pacientes fora do ambiente hospitalar. "A Farmácia Hospitalar segue orientações da nota técnica 6/2020 DAF/SCTIE/MS, que orienta a dispensação para pacientes internados".
Atendendo com suspeita de covid-19
Uma terceira funcionária afirma que vários colegas testados, a partir de sexta-feira passada (15) tiveram resultado positivo para covid-19. “Uma médica que atendia na observação [porta de entrada do Pronto Socorro] na segunda (18) estava com suspeita de covid-19, com tosse e atendendo. Teria que ser retirada do fluxo, já que testou positivo, para não contaminar outras pessoas. Assim a gente não contém essa pandemia”. A técnica de enfermagem disse também que o hospital não está testando pacientes.
Pela falta de espaços adequados, médicos reclamam do risco de contaminação no alojamento para descanso, da falta de lugar para tomar banho após uma cirurgia contaminada e banheiros com espaço suficiente para os profissionais. “Não tem banheiro, vestiário. É tudo puxadinho. Quem sabe quem está infectado ou não, né? É um risco a menos, se ocupassem melhor o espaço do hospital com construção decente para atender a população”, conclui.
Posição do Sindsep
O Sindsep vinha recebendo inúmeras reclamações dos funcionários do Hospital de Pirituba sobre a ausência de testagem. “E agora que estão testando os profissionais, não estão afastando as pessoas com sintomas e nem os que testaram positivo para covid-19. Isso é um risco para a população, para os trabalhadores que estão doentes e os demais colegas. É inaceitável!”, disse Lucianne Tahan, dirigente do Sindsep.
Segundo ela, essa não é a primeira negligência da unidade hospitalar que, recentemente, instalou bicos para respiradores que não funcionavam e contrataram um tomógrafo quebrado para atender à população.