Por Cecília Figueiredo, do Sindsep
A servidora Gabrielle Carvalho toma ônibus, trem e metrô para ir trabalhar. | Foto: Cecília Figueiredo
A servidora municipal, Gabrielle Silva Carvalho, que garante ao público o acesso à leitura de livros raros do acervo da Biblioteca Mário de Andrade, constantemente vem enfrentando dificuldades no acesso da estação ferroviária para a estação de metrô Barra Funda, ou ainda quando precisa de um ônibus da EMTU para chegar até sua casa, em Jandira, já que o embarque/desembarque é com cadeira de rodas.
Apesar da passagem de ônibus ter sido elevada em Jandira para R$ 5, no final de abril, isso não se traduz em melhoria na oferta de serviço. A bibliotecária Gabrielle foi abandonada no Terminal Rodoviário Jandira, na noite de 29 de abril, porque dois veículos da EMTU estavam com a plataforma elevatória quebrada. No local, nenhum auxílio à usuária do transporte público foi garantido pela empresa e nem pelo município.
A LUTA PELA ACESSIBILIDADE
Gabrielle tem deficiência física desde que nasceu e isso não é um impeditivo para nada do que se propõe a fazer. Afinal, é ela uma das responsáveis por atender quem quer emprestar ou escolher um dos títulos do gigante acervo da Mário de Andrade, onde é bibliotecária concursada há três anos. Formada pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), com Gestão Cultural pelo Senac e mestranda da FFLCH em Acessibilidade em Bibliotecas Públicas, os obstáculos são maiores para exercer o seu direito de ir e vir do que propriamente para conquistar o que sonha.
Utiliza diariamente ônibus, trem e metrô num percurso que, sem intercorrências -- como rampas móveis funcionando em terminais e ônibus --, é de aproximadamente 2 horas para ir e 2 horas para voltar.
“Há mais preparo do pessoal para auxiliar [PCD] na estação de metrô. Na Barra Funda, o elevador de acesso à plataforma está quebrado, mas os funcionários não deixam o usuário esperar tanto para ter esse acesso. Na estação da CPTM, em Jandira, o elevador que dá acesso ao mezanino para a rua também está quebrado, às vezes demora um pouco porque não há pessoal disponível para me ajudar a descer, mas, o pior mesmo é com o transporte de ônibus”, compara.
DESRESPEITO CONSTANTE NO TRANSPORTE
Essa não é a primeira vez que Gabrielle é vítima do péssimo atendimento no transporte público. “Alguns anos atrás entrei com ação na Justiça contra a EMTU por situação semelhante".
Três linhas, duas da EMTU e uma municipal servem o trajeto de sua casa, então sempre pega o ônibus que passa primeiro. No dia 29 de abril, Gabrielle chegou ao Terminal Rodoviário Jandira e viu pelo aplicativo que um dos ônibus da EMTU iria sair, dirigiu-se à plataforma e subiu, mas já dentro do veículo, a rampa elevatória não recolhia e ela acabou pedindo para descer. O ônibus seguinte também da EMTU, absorveu todos os passageiros do ônibus que estava com problemas na rampa móvel. Gabrielle pediu para o motorista que queria subir, mas ele disse que estava sem a chave, sem nem sair de dentro do ônibus, e ao terminar de embarcar os passageiros foi embora.
“Nisso, conseguiram recolher a rampa do primeiro ônibus da EMTU e o carro foi embora também. Perguntei ao fiscal: e a minha situação? Como eu fico? Ele respondeu que nada poderia fazer. ‘Espera o próximo’... e foi embora para a sala dele, que é bem escondida no terminal”.
Indignada, a servidora atravessou a rua em direção ao posto da Guarda Civil Metropolitana para pedir ajuda, porém começou a ser perseguida por um homem embriagado. Gabrielle conta que ele a ajudou descer a guia rebaixada [para PCD], fora da faixa de pedestre, onde havia bem em frente um ônibus estacionado, e atravessar até a base da GCM.
“Ao chegar na base, o guarda deu atenção ao homem embriagado e somente depois que expliquei que estava sozinha é que começou a conversar comigo. Ouviu minha reclamação, disse que eu teria que fazer uma ouvidoria, mas não poderia fazer nada. Ainda perguntei se ele não poderia garantir o meu embarque no próximo ônibus, mas ele disse que não poderia porque estava sozinho na base. Pedi que me ajudasse a atravessar novamente para a plataforma do terminal, mas aí diante do cidadão embriagado que se dispôs, ele agradeceu ao homem e disse que estava sozinho”, conta indignada.
Gabrielle relata ter ficado bastante nervosa com o discurso capacitista do homem alcoolizado, que queria levá-la para a casa dele. Ao avistar uma banca de alimentação, pediu ajuda à proprietária. “Peça a esse senhor para sair de perto de mim, por favor. Ela me deu água, tentou me acalmar, começou a conversar com ele e nesse interim vi o ônibus municipal, aí consegui pegar e ir embora”.
O drama, que durou mais de uma hora na plataforma do Terminal Jandira, ocorreu por volta das 19h30.
“Tive desespero nessa ocasião, não pelo homem embriagado cometer uma violência sexual contra mim, mas pela conversa dele, me senti assediada moralmente e sem a quem recorrer. Além de passar por uma situação estressante, do transporte, aquele senhor ao meu lado falando sem parar, acabou agravando. A postura do GCM falar com o homem, ao invés de me responder, o que também é bem comum quando chego aos locais para ser atendida. Já fui até questionada por motorista de ônibus do porquê eu estava andando sozinha [riso nervoso]”.
Dias depois, em 2 de maio, novamente o motorista de um ônibus da EMTU disse que estava sem a chave da plataforma elevatória do veículo para Gabrielle subir. “Comecei a filmar com o celular, aí o motorista chamou o fiscal que apareceu com um molho de chaves e uma delas serviu no equipamento. Aí justificaram que se tratava de um ônibus extra [risos]”.
LUTA CONTINUA
O caso não apenas foi parar nas mídias sociais, como foi encaminhado ao Conselho Municipal de Barueri, já que em Jandira não há, e para outros órgãos do governo e da Justiça. Apesar das respostas negativas, que também já não são uma novidade, Gabrielle não sente que a batalha está vencida. “Eu espero que essa situação não fique impune como uma anterior com a CPTM que vivi em 2016, onde levei Conselho e nada foi feito. Penso em levar à Defensoria Pública”.
SINDSEP
Para o Sindsep, há uma preocupação com as servidoras e servidores municipais sobre a garantia de acessibilidade plena nos locais de trabalho, além da jornadas de trabalho. Para João Gabriel Buonavita, presidente do Sindsep, há não apenas obstáculos físicos, mas inúmeros desafios que são enfrentados por trabalhadoras e trabalhadores, feito a Gabrielle, para realizar sua rotina de trabalho.
"A luta de trabalhadoras, como a Gabrielle, e trabalhadores no serviço público vêm vendo invisibilizada cotidianamente pelos governos e legislativos, porém não pode permanecer fora da pauta. É preciso que o movimento sindical ajude a impulsionar políticas públicas e a implementação das que já existem, para isso, é fundamental a presença de representantes que vivem esses desafios cotidianos para ajudar nessas mudanças do movimento sindical", acrescentou o dirigente.