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02/06/2021 - 14:27

Cadastradores padecem sem pagamentos da Fundac, denunciada pela CGM por desvios de R$ 54 milhões

Sindsep vê em modelo de terceirização, além de desvios de recursos públicos e superexploração dos trabalhadores, a desconstrução da identidade do trabalhador, por romper a ligação entre o real patrão (Prefeitura de São Paulo) e quem executa o serviço público, e distanciá-lo de sua entidade de representação.

Por Cecília Figueiredo, do Sindsep

 

 

Cerca de 150 pessoas chegam a passar diariamente nas 54 unidades do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) na Capital paulista. São pessoas ou famílias inteiras desempregadas e sem renda, vivendo em situação de vulnerabilidade, que estão em busca de apoio do Estado, de acesso a benefícios assistenciais, como o BPC (mais conhecido como Loas – Lei Orgânica da Assistência Social) e o Bolsa Família. Curiosamente quem as atende nem sempre está vivendo em situação menos precária. Os entrevistadores sociais ou cadastradores, trabalhadores terceirizados da Fundac (Fundação para o Desenvolvimento das Artes e da Comunicação), que presta serviço de atendimento à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), convivem com a situação precária de quem atendem e em seus próprios lares.



Os trabalhadores/as do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) estão há meses sem receber em dia o vale transporte, o vale refeição e até o direito às férias a empresa tem negado. O desrespeito da Fundac aos direitos trabalhistas dos funcionários que atuam nos CRAS é o responsável por muitos adoecimentos.

 

Junto com os servidores públicos, e apoio do Sindsep, estes cadastradores vêm travando uma batalha unificada. Além de paralisações, em 14 de abril passado, participaram de uma assembleia ampliada de trabalhadores/as do SUAS, organizada pelo Sindsep, para discutir ações e cobrar da Smads garantia de condições de trabalho, auxílio emergencial e vacina para todos/as. Como resultado houve três dias de paralisação dos trabalhadores do SUAS, que passaram a utilizar coletes pretos estampando as reivindicações e uma ação simultânea em sete regiões da cidade, no dia 30 de abril, com faixaço em frente a Prefeitura de São Paulo, ato na porta do prédio da Smads, panfletagens e mobilizações pela cidade exigindo além de condições para todos trabalhadores que atuam no SUAS, investimentos, concursos públicos, EPI, auxílio emergencial e vacina para todos.

 

Assista ao vídeo da mobilização ocorrida em 30 de abril

Trabalhadores/as do SUAS realizaram paralisações em 30 de abril, em protesto às condições precárias.



De acordo com três cadastradoras dos 250 terceirizados que atuam pela Fundac nos CRAs de São Paulo, apesar de não faltar dinheiro público, repassado pela Prefeitura de São Paulo, os trabalhadores vêm sendo tratados como “lixo” pela empresa há meses.

 

Irregularidades continuam com a anuência da Smads

 

No final de janeiro deste ano, relatório da Controladoria Geral do Município (CGM) apontou um desvio de R$ 54 milhões nas contas da Prefeitura de São Paulo em contratos com a Fundac. De acordo com os auditores, que apontaram 12 irregularidades, os desvios ocorreram por meio de várias manobras contábeis na folha de pagamento de mais de 200 funcionários contratados para entrevistar as famílias.

 

Empresa, que presta serviços de audiovisual para instituições das três esferas, é acusada de desvio de R$ 54 milhões em contratos com Smads. | Foto: Reprodução

 

Em quatro anos de contrato, a Fundac recebeu da prefeitura o pagamento das férias dos funcionários três vezes, mas três funcionárias denunciam que receberam por uma única. Gastos mensais de mais de R$ 10 mil com auxílio-creche, quando, na verdade, gastava R$ 220 por mês, pago a apenas uma funcionária. Sem apresentar nota ou comprovante do serviço, a Fundac recebeu da prefeitura, num período de 4 anos, R$ 7.500 mensais com locação de veículos para um coordenador que eventualmente precisava se locomover até um posto de trabalho. De acordo com a CGM o triplo do valor de mercado. Gastos com capacitação e treinamento de funcionários também foram cobrados, embora isso quem fosse realizado pela própria Smads.

 

O contrato com a Fundac foi assinado em novembro de 2013, sem licitação. Inicialmente, o prazo era de seis meses, a um custo de R$ 11 milhões. O termo, no entanto, foi prorrogado seis vezes, totalizando quatro anos de contrato. No fim das contas, a prefeitura gastou R$ 102 milhões, dos quais 54 milhões foram desviados, segundo a auditoria.

 

Em março deste ano, após a prefeitura anunciar a antecipação de cinco feriados municipais de Corpus Christi (3/06 de 2021-2022), Consciência Negra (20/11 de 2021-2022), Aniversário de São Paulo (25/01/2022), para os dias 26, 29, 30 e 31 de março, além de 1° de abril, os trabalhadores receberam um comunicado da Fundac de que o expediente seria normal, portanto sem o pagamento de adicional de 100% e nem se iriam descontar em banco de horas. Indignados com isso, mais o assédio moral, falta de diálogo, de EPIs, folgas, férias vencidas, atrasos em depósitos de vale transporte e vale refeição sem reajuste há 7 anos, os trabalhadores fizeram uma carta com ajuda do Sindsep.


A empresa negou os problemas relatadas no documento e se comprometeu a pagar os dias trabalhados com a antecipação dos feriados, regularizar as férias pendentes, aumentar o valor do VR, além de encerrar a perseguição aos trabalhadores. Com novos atrasos nos pagamentos do vale transporte, os trabalhadores cruzaram os braços por três dias em abril, a empresa tentou intimidá-los, por meio de mensagens culpabilizando-os pelo não atendimento dos Cras. “Supervisores começaram a assediar os trabalhadores, enviando mensagens pelo whatsapp, dizendo que pagariam do bolso o valor da passagem para que viessem trabalhar”, relata uma das trabalhadoras do Sistema Único de Assistência Social na Capital.



Doenças adquiridas no trabalho pelo esgotamento

 

Na região de Guaianases, alguns cadastradores contratados como “entrevistadores sociais” há aproximadamente 4 anos, adquiriram doenças no trabalho. “Fui apenas removida de uma das tarefas, assinei um novo contrato que não tive acesso à cópia até hoje, mas na carteira de trabalho o registro segue o mesmo. Adquiri um problema por digitação, fiz algumas sessões de fisioterapia recomendadas pelo médico e nada mais. A última vez que tirei férias regulares foi em 2019, após a auditoria da Controladoria Geral do Município que identificou o desvio de R$ 54 milhões nos contratos com a Prefeitura. Passaram a parcelar o vale transporte de 10 em 10 dias, no período”, relata.

Em apoio aos trabalhadores do SUAS, servidores utilizaram coletes pretos, em solidariedade à luta contra a precraização.



Há também casos de cadastradores que tiraram uma das férias, receberam o valor pecuniário somente após 15 dias e sem a multa por atraso e nem previsão das férias anteriores vencidas. A empresa teria alegado que pagaria somente no momento da demissão ou quando a situação financeira da empresa melhorasse.

 

“Eu tive uma urgência familiar, passei para a supervisora da Fundac e só assim consegui tirar em março deste ano uma das férias. É um absurdo todos os colegas estarem 2, 3 anos sem sair de férias e nossa supervisora disse que não há prazo para conceder férias para ninguém. Quando eu sai de férias em março, assim como outra colega, assinei um papel com descontos, quando voltamos era para recebermos perto de R$ 600 por 15 dias trabalhados, mas recebemos R$ 570. No mês seguinte, havia novamente o desconto do INSS das férias no holerite. Tivemos que mandar pra supervisão, que se comprometeu a levar ao RH, mas até agora nenhuma resposta. Acho absurdo que a empresa deva quase R$ 4 mil de multa pelas minhas férias vencidas, diante das necessidades que estamos enfrentando”, revolta-se a cadastradora.

 

Pagamentos irregulares e abaixo do mercado

 

Para outra cadastradora da zona Sul, que trabalha na Fundac desde o final de 2017, o pagamento regular de vale transporte, vale refeição e o gozo das férias aconteceram apenas no primeiro ano. “Assinei em 2018 o comprovante de férias, mas não recebi o valor, somente após dez dias. Fiquei sem salário e sem a pecúnia. Daí pra frente, vale transporte era depositado semanal. Primeiro era creditado no bilhete, depois em dinheiro. O vale refeição só aumentou agora [maio] por conta da movimentação dos servidores públicos com a gente e o Sindsep. Agora foi pra 13 reais…”, denuncia a trabalhadora que é mãe e atravessa situação complicada para se manter e de saúde.

 

O assédio e falta de condições de trabalho geraram problemas sérios de saúde. Esta cadastradora, que demorou a conceder uma entrevista, adquiriu síndrome do pânico, problemas de hipertensão e outras doenças decorrentes da obesidade. Nem sempre tem obtido o acompanhamento psicológico e tratamentos necessários em razão da pandemia. “Estávamos fazendo um horário reduzido, das 10h às quatro da tarde, com a volta do horário normal, das 9h às 18h, ficou mais difícil até para almoçar, porque tem que esquentar a marmita, é muita gente no local….Até a fisioterapia, depois de muito custo para conseguir, fui a duas de dez sessões, porque a supervisora [da Fundac] sempre inventava alguma tarefa, como substituir outro cadastrador com atestado médico”, cita a trabalhadora, que tem pensado em pedir as contas. “Eu deixei de cuidar da minha saúde, por medo de ser demitida ou mandada para um CRAS mais distante de minha casa e olha como estou hoje”, reflete.

 

Segundo ela, que trabalha desde os 18 anos de idade, a Fundac é sua pior experiência profissional. “Embora seja uma empresa na aparência de porte grande, a Fundac, que presta serviço para a prefeitura por um contrato milionário, a gente só tem perdas. Com a pandemia piorou, porque muitos colegas servidores foram afastados, doentes, passaram a trabalhar em home-office e sobrecarregou muito pra gente”.

 

Esse é o mesmo sentimento de outra trabalhadora terceirizada que atua em CRAS na região próxima ao Centro. “Somos lixo pra empresa, apesar de darmos lucro. Temos apoio apenas da gestão do CRAS. Imagina...um absurdo a empresa querer que seja feita lista de prioridade para conceder férias. Estamos sobrecarregados, perdemos pessoas da família e amigos na pandemia. A gente tá esgotada. A gente precisa descansar”, afirma emocionada.

 

Direitos atropelados

 

Em mais de 20 anos no mercado, a empresa vem deixando de pagar em dia o vale transporte. O vale refeição, alterado para R$ 13 após o movimento dos trabalhadores do SUAS em abril, tinha valor de R$ 10 há cerca de 7 anos, de acordo com os funcionários mais antigos. Mesmo sem reajustar o vale-refeição, que tem valor abaixo da média do mercado, a Fundac ainda desconta na folha de pagamento dos funcionários. “A Fundac paga uns R$ 220 de vale-refeição, mas desconta perto de R$ 100 de nosso salário, então recebo R$ 120 pra comer, enquanto no mercado a média é de R$ 20 por dia. Não dá pra comer com esse valor. A gente compra a mistura e traz de casa”, diz a cadastradora da região central.

 

Com relação ao regime de contratações, uma das trabalhadoras conta que a fundação “sem fins lucrativos” tentou inicialmente celebrar contratos intermitentes. “Chegaram a contratar algumas pessoas em regime intermitente, mas foi descoberto e a Fundac teve que recontratar as pessoas em regime CLT”.

 

Falta transparência e diálogo

 

A falta de diálogo da empresa com os cadastradores é outro problema repetido pelas terceirizadas. “Quando temos algum problema para resolver precisamos passar para o supervisor da Fundac, que cuida de dois a três CRAS, e a resposta da empresa para o supervisor demora muito. Por exemplo, fui ajudar uma idosa para pegar um transporte e fui atacada, meus óculos foram quebrados, mas como eu não estava realizando a minha função, me disseram que não configurava um acidente de trabalho. Tive que pagar os óculos, porque até agora a empresa está analisando a situação”, cita a entrevistadora da periferia da zona Leste.

 

A cadastradora da zona Sul reforça: “A única coisa que supervisor diz para a gente é para ‘aguardar’ e eu estou muito cansada”.



Presente de grego

 

O agendamento de atendimentos nos CRAS estabelecido para “impedir aglomerações” não trouxe nenhum refresco. Segundo as entrevistadoras sociais, o sistema é lento provocando muita demora nos atendimentos diários e não houve redução de pessoas em vulnerabilidade com a pandemia.

 

Para se ter uma ideia nem mesmo equipamentos de proteção individual são garantidos pela Fundac aos terceirizados. “Fizemos uma denúncia no ano passado, porque a empresa enviou e-mail desaforado mandando a gente comprar com nosso dinheiro os EPIs. Depois da denúncia que fizemos, deram duas máscaras de pano e um álcool de 90 ml. Este ano mandaram outra máscara de pano. Quem nos fornece máscara N95 e álcool em gel é o CRAS, assim como toda a estrutura que utilizamos”, denuncia a cadastradora do CRAS na zona Leste.
 

Apesar dos relatos e denúncias, a Smads não só segue com o convênio, como renovou o contrato em 10 de janeiro de 2021 com a Fundac até 2023, por valor superior a R$ 1 milhão mensal.
 

Quem é a Fundac?

 

A Fundac – Fundação para o Desenvolvimento das Artes e da Comunicação – presta serviços para a Câmara e Senado Federal, STF, TST, Banco do Brasil, Embratur, Infraero. No estado de São Paulo, para fundações, secretarias do governo do Estado, TV Alesp, entre outros órgãos. Em sua maioria, a especialidade é produção de conteúdos de TV, Rádio e Web.

 

Em São Paulo, não apenas a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e Tribunal de Contas do Município está na carteira de clientes da Fundac, mas também a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), apesar da “missão” da organização social ser no ramo da comunicação e artes. E é de lá que chegam inúmeras denúncias de desrespeito aos direitos trabalhistas a entrevistadores sociais que prestam serviços nos Centros de Referência e Assistência Social (Cras), cadastrando famílias de baixa renda. Os trabalhadores entrevistados falam em atraso de até 3 férias, pagamento parcelado de vale transporte, desconto indevido de vale refeição e atraso no depósito do FGTS.



Luta contra ataques a direitos trabalhistas

João Gabriel Buonavita, vice-presidente do Sindsep, lembra que essa não é a primeira denúncia de trabalhadores de entidades e nem sobre desvio de recursos públicos por OSCs, OSS em contratos diretos da prefeitura com trabalhadores que prestam serviços. "Em 2019 foram com trabalhadoras terceirizadas de limpeza que estavam sem receber seus salários e até hoje estão em batalha judicial tentando receber seus direitos", cita.

 

Na avaliação de Buonavita, o modelo de terceirização se caracteriza pela desconstrução da identidade do trabalhador, por romper a ligação entre o real patrão (Prefeitura de São Paulo) e quem executa o serviço público, e distanciá-lo de sua entidade de representação. Portanto, o dirigente explica a luta do Sindsep para construir meios de enfrentar essa realidade de terceirizações.

 

"É uma prática recorrente, sistemática na Smads, por exemplo, contratar empresas para executar serviços públicos e estas desobedeçam as legislações trabalhistas. Isso é um dos eixos fundamentais da terceirização, em que a Prefeitura de São Paulo se desresponsabiliza das garantias básicas dos trabalhadores, como pagamento de salários e demais direitos trabalhistas. Nosso papel é denunciar os objetivos nefastos desse modelo de contratação, intensificar a luta em defesa do serviço público e apontar os limites desse modelo. Esse modelo, vendido pelos governos em São Paulo como a salvação da lavoura, precariza as condições de trabalho e superexplora a mão de obra desvinculada do real patrão. Lutamos por contratações diretas”, afirmou o vice-presidente do Sindsep, ao reforçar que embora a entidade não represente diretamente esses trabalhadores, há um entendimento de que eles executam um serviço público, para o Sistema Único de Assistência Social.

 

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