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Saúde

12/01/2021 - 13:47

Roubos, furtos e violência para chegar a Serviço de referência em DST/Aids no centro

Num único dia, trabalhadores e pacientes foram vítimas de violência entre a saída da Estação da CPTM Julio Prestes e o SAE Campos Elíseos; Sindsep cobra alternativa do governo Covas

Por Cecília Figueiredo, do Sindsep

 

 

Descaso político e muita violência é o que vemos sobrando para todas as pontas desse emaranhado que forma a Cracolândia, hoje espalhada por muitas ruas e avenidas da região central da cidade mais rica do Brasil e uma das mais importantes da América Latina. Às 8h da manhã, o fluxo com centenas de pessoas em situação de rua, que utilizam ou não substâncias psicoativas, é varrida para a via paralela, Alameda Dino Bueno. Semelhantes a zumbis, homens e mulheres jovens são empurradas para dar lugar à “limpeza” na Alameda Cleveland. Embora esse serviço de zeladoria seja uma das funções da administração pública, ela não é a única, mas nesta região, além de abordagens indignas e violentas, parece ser exclusiva. 

 

Pessoas em situação de rua e usuárias de substância psicoativas na Al. Dino Bueno. | Fotos: Cecília Figueiredo
 
Alameda Cleveland na limpeza que acontece até pouco antes das 10h, quando o fluxo retorna.
 
Numa atmosfera densa e onde pouco se reconhece o direito à vida, com pessoas dormindo próximas a excrementos e lixo, o direito de ir e vir está cada dia mais prejudicado para quem vive na região, para quem trabalha ou apenas transita por ali.
 
A Alameda Cleveland, que deveria ser acesso de quem sai da Estação da CPTM Júlio Prestes fica inacessível em boa parte do dia. Trabalhadores do Serviço de Atendimento Especializado (SAE) DST/Aids Campos Elíseos relataram a diretores do Sindsep-SP que temem por suas vidas. Num só dia, 20 pessoas foram vítimas de roubos, furtos e violência por parte de quem é consequência da exclusão de políticas públicas efetivas.
 
A isso, os governos Doria e Covas respondem com rondas e abordagens policiais ostensivas. E nesses policiais militares e guardas civis metropolitanos o que se enxerga é falta de preparo e temor por suas vidas. O cenário lembra filme de terror, seriado Walking Dead, terra arrasada. 
 
Em duas horas, assistimos a pelo menos três batidas da PM e GCM a pessoas que mal conseguiam andar de tão desorganizadas que estavam, talvez pelo uso constante do crack, álcool ou pela fome e falta de esperança.
 
Problemas social e de saúde são respondidos com "limpeza" e batidas policiais pelos governos Doria e Covas.
 
 
“Até umas 10h da manhã a rua fica vazia. É o horário da limpeza da Alameda Cleveland, assim como outras próximas por onde se espalha a Cracolândia. Passou desse horário, as vias são tomadas por pessoas em situação de rua, e o que temos ouvido é o aumento da violência contra trabalhadores e pacientes do SAE Campos Elíseos. A chegada e saída do serviço é problemática, por conta dessa falta de alternativa no trajeto. Quando há ações mais ostensivas das forças de segurança contra o fluxo, essas pessoas que são dependentes correm para o SAE”, relata Flávia Anunciação, coordenadora da região Centro do Sindsep-SP.
 
Em duas visitas, no dia 29 de dezembro e 6 de janeiro, entre 8h e 11h, os problemas denunciados foram os mesmos. Embora o prédio do SAE forme, ao lado do prédio da Estação Júlio Prestes, um belíssimo conjunto arquitetônico, é visível o abandono na estrutura e falta de investimentos no serviço, que é um dos maiores da Capital e referência no atendimento e tratamento de pessoas com infecções sexualmente transmissíveis, como Aids, sifilis, hepatites B e C. 
 
SAE na Alameda Cleveland padece de investimentos.
 
Profissionais reclamam a falta funcionários, que muitos se aposentaram ou foram transferidos e não houve reposição pela Secretaria Municipal de Saúde. Para se uma ideia, nem gerência há mais no serviço desde o final do ano passado, relata um profissional para a diretora do sindicato. O governo não abre novos concursos e, assim, pacientes sofrem com a demora do atendimento, e profissionais também, pela sobrecarga. 
 
“Os trabalhadores e os usuários do SAE temem para chegar, sair do serviço, pela insegurança. As janelas frontais do prédio não têm proteção, a porta de entrada também pode ser facilmente arrombada, porque não há reforço na fechadura. O governo Covas coloca um carro da GCM na frente do equipamento para ‘enxugar gelo’, porque se ocorrer um episódio mais grave, os três servidores da Guarda Civil não terão o que fazer e nem são preparados pra isso”, acrescenta a dirigente sindical.
 
Havia uma promessa de abrir o portão lateral da Júlio Prestes que não se efetivou até agora. “Eles teriam que caminhar menos de 10 metros se fosse aberta essa passagem da estação para entrar no SAE”, comenta Flávia, ao apontar os dois prédios que são colados. 
 
 
Diretora do Sindsep em frente aos portões da Estação Julio Prestes e do SAE; abertura do acesso mitigaria violência.
 
 
Há também a demanda dos trabalhadores e população pela criação de um corredor protegido entre a estação e o SAE, alternativa que depende da integração dos governos estadual e municipal.
 
Sem acesso curto, os trabalhadores e pacientes têm que caminhar aproximadamente 800 metros no meio do fluxo correndo o risco de violência. 
 
 
Trabalhadores e pacientes hoje caminham aproximadamente 800 metros no meio do fluxo sob risco de violência.
 
 
“Teve usuário do SAE que chegou ferido ao atendimento, foi roubado, e pra ir embora só foi possível porque os trabalhadores deram dinheiro do seu bolso para o paciente poder retornar pra sua casa, então é uma situação de emergência. É preciso que o secretário de Saúde, Edson Aparecido, e o prefeito Bruno Covas, nos respondam como irão resolver essa questão. Estamos vivendo um cenário de pandemia numa região onde há um problema importante de saúde pública, assistência social e da garantia do direito de ir e vir. Direitos que estão sendo negados pelo governo”.
 
Ela também critica o fim de programas, como De Braços Abertos (DBA), também chamado de Programa Operação Trabalho (POT), que desenvolvia ações voltadas às centenas de pessoas em situação de rua, sob o uso abusivo de substâncias psicoativas na Cracolândia. A iniciativa, implementada pela Prefeitura de São Paulo em 2014, visava à redução de danos causados pelo uso do crack e de outros entorpecentes e o resgate social por meio de qualificação profissional, frentes de trabalho (como varrição de ruas e praças de SP, plantação e colheita de mudas de plantas para manutenção de jardins da cidade e inclusão digital), alimentação e moradia digna, com orientação de intervenção não violenta. 
 
No lugar de reintegração, trabalho e cuidado, hoje se vê abandono.
 
“Hoje não se tem mais notícias sobre a continuidade desse programa. Quando a gente olha tudo isso aqui [mostrando uma área do lado oposto da estação na Cleveland, com prédios murados e uma área livre que nem mesmo calçada é], o que parece é uma tentativa de tornar insuportável a permanência dessa população [usuárias de álcool e outras drogas] na região central”.
 
No entanto, Flávia alerta que o problema na região depende do olhar social e de saúde pelo Poder Público voltado às pessoas que são dependentes. “Não é com polícia que irá se resolver. O que parece é que o governo tenta empurrar essa população para as regiões periféricas, onde as subprefeituras têm muito mais dificuldade para garantir a oferta de políticas públicas”.
 
 
 
Reportagem contou com apoio e colaboração de: Flávia Anunciação (diretora do Sindsep) e Danilo Nassar Lavieri Alexandre (motorista do Sindsep).
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